Dicas para trabalhar festa junina no isolamento social
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Dicas para trabalhar festa junina no isolamento social



Este ano não haverá festa junina devido ao quadro de isolamento social. É mentira! Com muita criatividade e disposição, professores e escolas driblam das dificuldades para realizar com segurança festas juninas.


A professora Dayane Silva puxou a quadrilha (1) na festança virtual na Escola Municipal José de Sene Prata. Em vídeo publicado na Rede Pedagógica e visualizado por milhares de pessoas, ela não só animou seus alunos como inspirou outras professoras Brasil afora.



Uma escola em Belo Horizonte, Minas Gerais, realizou festa junina drive-thru, Uma escola infantil. As famílias passavam pelas barracas de carro, e se serviam de comidas típicas como canjica, pipoca e paçoca ao som de muita sanfona (2).



Mesmo o drive-thru implica riscos de contágio, especialmente para crianças pequenas, que não podem usar máscara. Recomenda-se que, caso a comunidade escolar decida por esse tipo de abordagem, que não seja servida nenhum tipo de comida e que os carros passem com os vidros fechados.


Aqui vão 5 sugestões de temas a serem trabalhados no contexto das festas juninas:


1) O êxodo rural, tradicionalismo x modernidade x pós-modernidade


As festas juninas remetem à vida simples no campo e se correlacionam com o saudosismo de épocas de organizações sociais mais comunitárias (Gemeinschaft (3), comunidade em alemão), em comadres e compadres compartilhavam produtos cultivados em regime de subsistência, conversavam e festejavam em volta de fogueiras em noite de lua cheia, costumes que foram se desintegrando com o êxodo rural e com a imposição do padrão societal (Gesellschaft, sociedade em alemão).


O advento da Modernidade, decorrência da articulação do Iluminismo com o Capitalismo, cujo marco fundamental foi a Revolução Industrial, confina a vida caipira a espaços cada vez mais raros e rarefeitos.


Já a pós-modernidade, que está associado à hegemonia do capital financeiro e da cultura digital, promove rupturas no "modus vivendi" da sociedade burguesa, colocando em xeque, por exemplo, a viabilidade da democracia e a sustentabilidade ambiental da sociedade industrial.


São temas complexos mas que devem ser introduzidos didática e oportunamente em todas as etapas da Educação Básica, porque dizem respeito ao contexto em que se trava a própria realidade.





2) Bumba meu boi


As festas juninas são ótima oportunidade para trabalhar tradições folclóricas, como o Bumba meu boi. Muito comuns no Maranhão, em outros estados do Nordeste, do Norte e do Sudeste do país, agremiações chamadas de "bois" realizam cortejos ou outros tipos de apresentações utilizando a figura do animal.


Essas festividades que, segundo registros, apareceram em Pernambuco, combinam tradições, africanas, indígenas e europeias. Reza a lenda Bumba meu boi que há um contraste entre a fragilidade do homem e a força bruta de um boi.


Esta essência se originou da lenda de Catirina e Pai Francisco, de origem nordestina. Ao ser levada para a região Norte, sofreu adaptação à realidade amazônica, e faz reverência ao boi como se esse fosse nativo da floresta Amazônica (o que é historicamente incorreto, pois o gado bovino não é nativo das Américas), também exaltando a alegria, sinergia e força das festas coletivas indígenas.


O bumba meu boi do Maranhão foi reconhecida Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e como Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).





3) A posição social da mulher caipira e da mulher contemporânea


As festas juninas referem-se a um quadro sociocultural e a uma era em que a posição da mulher era bastante desfavorável. Os tradicionais casamentos encenados na quadrilha, por exemplo, mostram a noiva como variável das tramas masculinas.


A equidade de gênero e a crítica à posição social da mulher pode ser um tema interessante a ser trabalhado no contexto das festas juninas, obviamente com o cuidado para não se incorrer em anacronismos. A riqueza da abordagem está mesmo em desvelar os fatores da subjugação da mulher naquela época, com mapeamento de suas conquistas e sinalização de agenda de lutas para o futuro.




4) Regionalismo


As festas juninas são fundamentais em todo o país, mas em cada região assumem características diversas, o que se explica pelo regionalismo, conjunto de características socioculturais próprias de determinada região.


Abordagens etnocentristas ou geoelitistas colocam no centro das referências a posição do próprio observador. Na Educação, em especial no contexto da Base Nacional Comum Curricular, é importante que se transcenda essa visão restritiva da riqueza da realidade para que se valorize a importância do outro e suas manifestações culturais.


Em Geografia, por exemplo, denota-se em abordagens mais tradicionais uma hegemonia do Sudeste, lastreada, fundamentalmente na dimensão econômica e com desprezo a variáveis da cultura, distorção que se pode começar a desmontar com acento na relevância de categorias da Geografia Humana das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul.




5) Culinária


As festas juninas pedem projetos riquíssimos em torno da culinária. Os estudantes podem ser convidados a refletir sobre pratos tradicionais, como a canjica, a pipoca e o escondidinho de macaxeira com carne de sol e a executar receitas tradicionais (4).


Aulinhas de culinária constituem ótima abertura para se trabalharem os ingredientes, sua combinação, suas características, origens e ainda os sentidos em um ambiente colaborativo com distribuição de papeis.



Então, mesmo a distância é possível realizar festas juninas e trabalhar conceitos e temas em torno delas. A Educação capacita pessoas a não serem determinados por seus contextos, mas retrabalhá-los especialmente em prol do bem comum.


Edvaldo Fernandes da Silva (edvaldo@fernandesdasilva)

Pós-Doutorando em Ciência Política, Doutor em Sociologia, Mestre em Ciência Política, jornalista, advogado, professor de Educação Básica (1991-1996), professor universitário e cofundador da Rede Pedagógica.


(1) A quadrilha, quadrilha caipira ou quadrilha matuta, é uma dança folclórica coletiva muito popular no Brasil, indispensáveis festas juninas e protagonizada por casais trajes e maquiagem caipiras ao som de músicas nordertinas. A quadrilha compreende narrativa, que normalmente inclui o espertalhão que engravida a mocinha e tenta se esquivar do casamento, mas acaba se dando mal (ou bem, vai saber).


(2) Confira aqui sugestão de repertório para festas juninas.


(3) Sobre a dualidade Gemeinschaft x Gesellschaft, TÖNNIES, Ferdinand. Community and Society. Trad. Charles P. Loomis. Mineola, Nova Iorque: Dover Publications, 2002.


(4) Veja aqui quatro receitas para festas juninas.

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